A prática de atos fraudulentos, capazes de ensejar confusão perante o público consumidor de determinado produto - o que gera desvio de clientela -, autoriza a vítima, independentemente da existência de registro de direito de propriedade industrial, a deduzir pretensão em juízo contra o infrator.
Tal conclusão, vale mencionar, decorre do texto expresso da Lei n. 9.279/1996, que contém uma série de normas específicas destinadas à inibição da concorrência desleal, tais como aquela veiculada em seu art. 195, III, que considera crime de concorrência desleal o emprego de meio fraudulento para desvio de clientela alheia, e aquela do art. 209, que garante ao prejudicado o direito de haver perdas e danos decorrentes de atos dessa natureza, mormente quando lesarem a reputação ou os negócios, criarem confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
O que o sistema protetivo concorrencial procurar coibir (no que importa à espécie) é, portanto, o aproveitamento indevido de conjunto-imagem alheio pela adoção de práticas que causem confusão entre produtos ou serviços concorrentes, resultando em prejuízo ao respectivo titular e/ou ao público consumidor.
É certo, sobre o tema em questão, que, "A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua usurpação encontra óbice na repressão da concorrência desleal" (REsp 1.843.339/SP, Terceira Turma, DJe 05/12/2019).
Convém lembrar que trade dress pode ser conceituado, resumidamente, como o conjunto de caraterísticas visuais que forma a aparência geral de um produto ou serviço.
Impõe-se ressaltar, todavia - conforme assentado por ocasião do julgamento do REsp 1.677.787/SC (Terceira Turma, DJe 02/10/2017) - que, para configuração da prática de atos de concorrência desleal derivados de imitação de trade dress, não basta que o titular, simplesmente, comprove que utiliza determinado conjunto-imagem, sendo necessária a observância de alguns requisitos básicos para garantia da proteção jurídica.
Em primeiro lugar, há que se atentar para o fato de que as características gráfico-visuais do produto ou embalagem não podem guardar relação com exigências inerentes à técnica ou à funcionalidade precípua do produto.
Ou seja, os elementos que formam o conjunto-imagem não podem ter outra função ou propósito que não seja especificamente a diferenciação do bem no mercado onde está inserido.
Sobre o tema, a doutrina é categórica ao afirmar que apenas "têm proteção contra a concorrência ilícita os elementos não funcionais das embalagens, estejam protegidos por registro de desenho industrial ou de marca tridimensional (quando a concorrência é ilícita por ser interdita), ou sejam simplesmente objeto da criatividade concorrencial, antes ou prescindindo de qualquer registro (quando a concorrência é ilícita por ser desleal)" (excerto transcrito do acórdão do REsp 1.677.787/SC).
Imprescindível, igualmente, para que se reconheça proteção ao conjunto-imagem, haver possibilidade de confusão ou associação indevida entre os produtos, na medida em que configura prática anticoncorrencial a utilização de artifícios capazes de ensejar desvio de clientela (art. 195, III, da LPI).
Outro elemento que deve estar presente para que o titular do direito possa reclamar tutela jurisdicional - além da anterioridade do uso do conjunto-imagem - é sua distintividade frente aos concorrentes que é, conforme defende a doutrina, "o escopo de proteção conferido ao trade dress é diretamente proporcional ao seu grau de distintividade. Trade dresses únicos e absolutamente distintivos são merecedores de um amplo escopo de proteção".
Assim, dado o contexto dos autos - em que as recorrentes deixaram de pleitear o registro de desenho industrial para seus produtos -, era ônus que lhes incumbia comprovar tanto a anterioridade do uso quanto a distintividade do conjunto-imagem, na medida em que, ausentes tais circunstâncias, não se pode falar que a utilização de elementos estéticos semelhantes, que se presume estarem em domínio público, configure concorrência desleal.
Consoante assevera a doutrina, "a mera utilização de design em domínio público não se apresenta, em si, como prática de concorrência desleal, visto que se apresenta como conduta em conformidade seja com o contexto jus positivo decorrente da hermenêutica do conjunto de normas (e de sua ratio) presentes na Lei da Propriedade Industrial, seja com o filtro jus axiológico derivado diretamente da Carta Constitucional".
Veja-se que, caso se tratasse de desenhos industriais devidamente registrados junto ao INPI, o exame acerca da novidade e da originalidade dos elementos visuais do produto constituiria etapa prévia e necessária para concessão do título respectivo (arts. 95 a 97 da LPI), sem as quais o registro não seria conferido e, por consequência, não se poderia falar em exclusividade de uso.
Desse modo, a fim de não conferir maior proteção àqueles que optam por deixar de trilhar o caminho apontado pelo ordenamento jurídico para alcançar o amparo de seus direitos de propriedade industrial (registro perante o INPI), é imperioso que o ônus probatório acerca da anterioridade de uso e da distintividade do conjunto-imagem recaia sobre aquele que reclama a tutela jurisdicional, na medida em que se trata de fatos constitutivos do direito reclamado.
De se notar que o mesmo raciocínio, mutatis mutandis, é empregado quando se trata de invocação de tutela fundada em direito autoral, pois incumbe àquele que invoca a proteção o ônus de demonstrar - exceto no caso de haver identificação na própria obra, na forma do art. 12 da LDA - tanto que é ele, de fato, o criador da obra artística - ou que a ele foram transferidos os direitos correlatos - como que se trata de criação dotada de originalidade.
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